Rios Reais 2025

RIOS REAIS nasce em resposta a uma tentativa de falsificação da memória, uma estratégia colonial feita pelos mesmos agentes atuantes em pontos diferentes e sem se conhecerem que fingem e negam nossa existência, um ato sistemático (feito em série por instituições e pessoas diferentes) que sugam e detêm as chaves do mercado de arte contemporânea e cultura. Comem e bebem das produções e criações das classes artísticas mas jamais, em hipótese alguma, servem mais um prato a mesa. Tokenizam, espremem, exploram. Não queremos um prato, queremos a mesa, queremos nossa independência e a tranquilidade de um futuro digno.
Nós últimos 20 anos, o mercado abriu uma nova porta; protagonismo periférico. Depois dessa porta, há um abismo, um colossal vão entre o trem e a plataforma. Pouquíssimos conseguiram pular entre a porta e um lugar seguro, essa queda livre se estendeu a imensa maioria de pessoas que acreditaram por um momento, que alguém de trás da porta, jogaria uma corda, subiria uma ponte…
A LadoB assim como outros projetos espalhados pelo país, é uma tábua para a ponte entre o abismo criado pelo mercado e uma zona segura. Nenhuma pessoa criadora está segura num caminho solitário, somos fortes por estarmos juntos, um indivíduo jamais prevalecerá sob uma comunidade. É um papel de coletivo, de classe, se unir frente a todas as batalhas, frente a todas as encruzilhadas que escolhemos atravessar.
Somos fruto de um mercado que ao tentar nos excluir, criou a demanda da nossa presença - e cá estamos.
Dito isso, aproveitamos a agenda cultural “efervescente” da cidade para realizar a 2ª RIOS-REAIS entre os dias 10 a 14 de setembro.
RIOS-REAIS é um evento multimídia anual, realizado por centenas de trabalhadores da arte.

Rios Reais 2025

aparição

Das aparições consteladas e refletidas nos espelhos d'água desse afluente, o que se deixa ver transita entre rios subterrâneos e voadores, num diálogo entre a bacia da guanabara e o oceano dos que performam a fluidez da matéria e a destreza do gesto como cardume
em movimento e seta, apontando seivas, salivas e suor.
Adnan Lima, Ana Reis, Mapô, Marina Dúbia,
Michel Arantes, Tainá Verde e Vika Teixeira articulam com a estrutura e espacialidade, obras que sugerem um mergulho de corpo inteiro, para não esquecer de regar-se, infiltrar-se,
ser rio.
DyóCuradora

Sobre enxergar dentro d'água

Os corpos que adentram este rio, têm pele líquida e sonhos úmidos. Alguns se banham pedindo licença, outros mergulham como quem atravessa um portal. A corrente não leva para frente nem para trás, tudo acontece por dentro de imagens que aparecem e desaparecem em cintilação. É impossível saber se são memórias suas ou histórias que a água inventou.
Neste núcleo curatorial, essas imagens se reúnem como olhos d’água: pontos de resistência. Instalações fotográficas e imaginários fílmicos se anunciam como nascentes, e em suas confabulações afirmam modos de existir. Como um movimento de infiltração, inventamos novas margens para o rio, abrindo passagens de ausência e permanência.
Tayná UrazCuradora

Imantação

Toda materialidade, seja ela orgânica ou inorgânica, é imantada por energia. A luz do sol, nossa principal fonte vital, chega na Terra em forma de raios eletromagnéticos, e se acumula na biosfera através de processos de síntese. Por isso, todos os elementos carregam memória. Trata-se de uma memória que não necessariamente perpassa a cognição, mas sim uma memória molecular. Afinal, se viemos de uma mesma fonte de luz originária, estamos interconectados, em fluxo vital de energias. O carbono de nossos ossos, a água de nossos vasos, os sais de nossa pele, serão sedimentos que retornarão ao meio para gerar infinitas formas de vinculação.
As obras reunidas neste núcleo tocam a memória da matéria: o barro, o café, a madeira, a parafina, o resíduo, a semente - tudo aquilo que foi estratificado um dia, agora é elevado à máxima contemplação. Ana Kemper, Ana Paula Lourenço, Arda Paranhos, Jonas Esteves, Lucas Ururahy, Luisa Pereira, Marcella Moraes, Milu Almeida, Vicente Baltar e Ygor Landarin são artistas que observam cuidadosamente as relações simbióticas na produção de vida, revelando a complexa trama entre humanos e outros seres, elementos, entidades, estrelas. “Imantação” deriva da palavra “imã”, que indica a capacidade de atrair ou repelir energias. É o que fazemos ao acender uma vela para celebrar o início ou fim de um ciclo; ao banhar-se de ervas para atrair bons presságios; ao carregar amuletos sagrados para obter proteção espiritual. Não podemos jamais esquecer: estamos apenas de passagem, como aquela estrela que vemos no céu brilhar, mas, na verdade, ela nem existe mais. Sua imantação, contudo, segue viva em nós.
Rubens TakamineCurador

Ideias para Adiar o Fim dos Rios

Ao provocarmos práticas de partilha de saberes assumimos que nenhum RYO corre sozinho, que todos os cursos d’água se fazem na encruzilhada entre favelas, periferias, pistas, quilombos e aldeias. O gesto de germinar ações nasce dessa cosmopoética coletiva, onde cada voz se soma como corrente que resiste à secura e partilha seus caminhos. É nesse terreno fértil que se levanta a pergunta que nos atravessa: o que pode ser um RIO-REAL e quais fronteiras ainda nós desejamos transgredir?
As primeiras que iremos tensionar são as postas sobre este espaço de memória que dribla o limite no calendário e contorna o ser apenas cedida ao nome de janeiro. Quando nos deixamos atravessar por suas águas, ritmos e contos, visamos o rompimento de movimentos individuais, olhando para as margens que se movimentam nas histórias e a partir das pedagogias ancestrais que sustentam curvas para futuros que buscamos saber nomear.
É nesse terreno que se manifestam as Afluentes compostas nesta segunda edição de RIOS-REIAS no Centro Cultural LadoB. Assim, apresenta-se neste encontro o assentamento de práticas performáticas que atravessam corpas-territórios, os desdobramento das noções escultóricas que dimensionam plasticidades. No mesmo passo que imagens audiovisuais são invocadas na co-criação sonhada e as efemeridades das instalações orgânicas respiram por ciclos.
Este ryo que se multiplica nas cosmogonias, lembrando que cada travessia é também recomeço. O que chamamos de adiar o fim dos ryos, está para além do ato de resistência, parte do que sentimos na possibilidade de sementear afetos. É o desejo de espantar males, criando armadilhas, sussurrando promessas, e deslocando a finitude para criar tecnologias do sentir. Escancarando a palavra como força capaz de abrir mundos, transformar sentidos e reconfigurar relações. É na desordem das estéticas insurgentes que esta proposta curatorial se afirma como passo compartilhado, convidando artistas de diferentes materialidades e gerações a refletirem pelas forças dos oníricos aquáticos.
Assim, retornamos aos ryos e seus nutrientes, não para fixar respostas, mas para escutar suas mensagens mais profundas, para seguir seus percursos e narrar outras leituras sobre a arte que assume o papel de infiltrar sentidos. O convite que se abre é o de caminhar juntos, aprendendo com as temporalidades e as múltiplas leituras de mundos em cada correnteza, permitindo que as discussões entre as ausências e presenças, do que é visível ao invisível, nos ensine mais uma vez a respirar em comum.
Ana LopesCuradora

O Studio Krya cria pontes entre arte, cultura e tecnologia.
Daqui nasce a Encruzilha.art: uma plataforma que conecta artistas, espaços, instituições e curadores, como raízes em rizoma.
Um território vivo que rompe estruturas antiquadas, faz circular ideias e abre caminhos para uma arte mais acessível, múltipla e inovadora.

daopapo@krya.studio